O tema oculto de Ghostbusters: Capitalismo vs Regulação

A maioria das pessoas considera que o clássico “Os Caça-Fantasmas”, de 1984, não passa de uma comédia fantasiosa, um filme lembrado vagamente, costurando pedaços diferentes das diversas vezes que passou na sessão da tarde. E, realmente, o filme não faz nenhum esforço para se apresentar como mais do que isso, ainda mais considerando que seus escritores são, de fato, comediantes acima de tudo. Mas, como toda boa comédia, é possível encontrar temas que afetam profundamente as pessoas, estejam lá por acidente ou não.

Ghostbusters é sobre capitalismo. É sobre empreender. É sobre o fato de que a intervenção estatal tem o potencial de atravancar inovação e serviços essenciais e, por fim, de destruir a sociedade.

Acha que é exagero? Vou repassar então os pontos principais da história, e depois vamos olhar com detalhes as cenas mais relevantes para o tema:

Os três personagens principais são PhD especializados em estudos paranormais e, no início do filme, investigam uma assombração em uma biblioteca, constatando que fantasmas existem. No entanto, são demitidos de seus empregos na universidade e resolvem, então, abrir um negócio para caçar fantasmas.

Não há clientes no começo, mas aos poucos eles acumulam sucessos e se tornam uma sensação, chamando a atenção do poder público. Após dificuldades com a polícia e a possessão de Dana (Sigourney Weaver), os seres capturados ficam à solta e um deus da destruição antigo é despertado.

Os personagens então são soltos pelo prefeito para resolver o problema e, após uma batalha épica contra o famoso homem de marshmallow gigante, conseguem salvar Nova Iorque e chegar ao esperado final feliz.

Por trás dessa narrativa clássica Hollywoodiana, porém, podemos encontrar um subtexto de elogio à iniciativa privada e ao livre mercado, assim como uma crítica àqueles que interferem com esses processos, especialmente o Estado.

Tendo descoberto que fantasmas são reais e considerando que são capazes de resolverem essas assombrações, resolvem abrir um negócio. Juntam capital para comprar e reformar um imóvel e um carro, material para as armas de plasma, uniformes, pagam propagandas baratas na TV. Contratam também uma secretária. Nesse ponto, é interessante a ênfase que se dá ao risco inerente ao empreender — foi necessário que Ray hipotecasse a casa onde nasceu, herança de seus pais.

Quando estão prestes a falir, finalmente um cliente liga: há um fantasma em um hotel de alta classe. Ele está lá faz anos, mas ultimamente está mais agitado. Os Caça-Fantasmas conseguem capturá-lo e temos uma pequena cena sobre o real valor de produtos e serviços. Ao cobrarem pelo trabalho (US$ 5.000,00), o gerente se recusa a pagar. A solução é simples: nossos heróis se dispõem a soltar novamente o fantasma no hotel. A reação do gerente é imediata: “Por favor, não façam isso, eu pago o que quiserem”.

Quando o serviço fica famoso, seu sucesso chama a atenção do diretor da Agência de Proteção Ambiental, que considera que seus equipamentos e métodos são potencialmente nocivos à cidade. Após uma primeira tentativa frustrada de inspeção, Walter Peck retorna com a polícia e com diversos mandados e ordens para fechar o estabelecimento e encerrar o negócio. Ao desligar os aparelhos, porém, todos os fantasmas capturados são soltos e acabam por despertar completamente o deus antigo que assombrava Dana, que acaba sendo possuída. A cidade vira um completo caos, totalmente tomada por espíritos malignos. Os Caça-Fantasmas são presos por toda a desordem que está acontecendo.

Aqui, é inegável a crítica à burocracia cega. Os protocolos daquele momento não estavam prontos para compreender e regular a nova tecnologia trazida pelos cientistas. No entanto, numa atitude clássica de brandir canetas e ignorar o valor que o livre mercado dá a certos negócios, a administração causa danos enormes tanto às pessoas que estão produzindo quanto à sociedade que utilizava seus serviços.

Em uma reunião com o prefeito (onde se encontra o bispo, seu amigo, outra crítica), desesperado com todo o caos e destruição, Walter Peck ainda é contra a soltura dos Caça-Fantasmas. No entanto, Venkman (Bill Murray) mostra que aprendeu como empresas devem driblar os entraves estatais: ele argumenta que, se o prefeito soltá-los, será visto como responsável por salvar a vida de milhões de eleitores.

No final, os Ghostbusters salvam a cidade e são aclamados pela população, um final bem pipoca. Mas as críticas, mesmo sutis, já foram feitas: os agentes públicos saem como vilões, os personagens empreendedores estão firmemente estabelecidos como os “mocinhos”.


Podemos até traçar alguns paralelos com o mundo real, especialmente porque temos tantos negócios baseados em novas tecnologias hoje:

  • Bill Gates e Mark Zuckerberg são famosos por terem largado a faculdade, o que demonstra que nem sempre a Academia está em sincronia com o que as pessoas (ou seja, o mercado) querem;

  • Apesar disso, o próprio conforto da Academia era o que segurava nossos heróis de colocar em prática suas convicções para servir o público — recompensa sem mérito mata a inovação, conforme vemos nas universidades, serviços públicos, até na popularização de influencers, gente esperta que sabe que vale mais a pena repetir incessantemente a narrativa da sua bolha do que produzir algo de valor;

  • Empresários em geral são vistos como vilões no Brasil (ironicamente, pois muitos dos mais odiados, os Eikes e Odebrechts da vida, conseguiram sua fortuna justamente por entrarem em conluios com governos corruptos); porém, é bem claro o risco enorme a que os personagens se expuseram ao iniciar o negócio, podendo perder todo o dinheiro, lar, reputação. É um risco que a maioria das pessoas não quer correr, e aquelas que correm e sucedem são livre e amplamente recompensadas pelos seus esforços;

  • O crescimento desses empreendimentos e a sua valorização pela sociedade acaba gerando uma ânsia por regulação no Estado, podendo chegar a punições e até ao fim de negócios. Essa regulação pode ser exigência de um grupo específico, que não representa o mercado, ou uma tentativa de tributação mais direcionada. Alguns exemplos e consequências: o aluguel de patinetes sumiu de São Paulo; a Uber esteve em risco por muito tempo; o alvo atual são os apps de entrega de comida, que podem deixar de ser viáveis com regulação e taxas específicas;

  • A forma como os Caça-Fantasmas foram soltos é especialmente reveladora: se as empresas e seus clientes não são numerosos e barulhentos, se for interessante politicamente, as canetadas rolam soltas para podar as atitudes livres das pessoas em prol dos insaciáveis cofres públicos e de interesses específicos de poucos.

E toda essa análise do tema do filme é muito mais que uma curiosidade. É também importante por mostrar um retrato honesto do capitalismo na mídia popular, algo raro em Hollywood (ironicamente, tendo em vista as práticas do estúdios). Acima de tudo, é crucial que exista esse tipo de arte, ainda mais sendo um filme tão bem feito, tão querido por tanta gente, trazendo sutilmente esse tipo de tema. É assim que se coloca um pontinho de racionalidade na mente de tantas pessoas que foram condicionadas a julgar conceitos como capitalismo, empreendedorismo e livre mercado sem realmente pensar neles.