Personalidade e investimentos

Não é sempre que consigo unir duas áreas que gosto. Música e culinária? Perfeito. Literatura e academia? Talvez um audiobook. Programação e whisky? Meio frustrante…

Nunca achei que finanças e psicologia iam combinar, mas ultimamente tenho percebido quão importante é essa combinação — originando até um curso de investimento em que 1/3 do conteúdo é dedicado a isso. Mas além do gerenciamento de expectativas e de impulsos que deve ter qualquer investidor que espera sucesso, a personalidade de cada um influencia muito o jeito de investir — e quem rema contra suas próprias tendências vai ter um caminho muito mais difícil.

Para falar de personalidade, vamos usar o modelo mais aceito cientificamente hoje, o Big Five. Ele é considerado o melhor modelo por ser robusto (seus resultados não variam muito em diferentes testagens ou ao longo do tempo) e por possuir conceitos válidos (seus resultados predizem comportamentos futuros) — características que não estão presentes no teste Myers-Briggs, por exemplo (o das quatro letras).

Os cinco fatores de personalidade são: Extroversão (atração por estímulos, especialmente sociais); Abertura a novas experiências (autoexplicativo), Conscienciosidade (capacidade de organização e disciplina), Agradabilidade (preocupação com a harmonia social) e Neuroticismo (tendência à instabilidade emocional). Existem diversos testes online para medir a personalidade (aqui e aqui há testes válidos e rápidos) mas a maioria das pessoas têm uma ideia geral boa de si nessas cinco categorias.

Os dois fatores mais importantes para investimento são, de longe, Conscienciosidade e Neuroticismo, com Abertura a novas experiências tendo uma influência interessante.

A capacidade (ou até necessidade) de ter ordem e disciplina, atrás apenas de scores de inteligência, é a característica que mais prevê sucesso acadêmico, no trabalho e financeiro das pessoas no médio e longo prazo. É bem lógico — a capacidade de estudar, se esforçar em tarefas, cumprir prazos, leva qualquer pessoa mais longe do que outra que procrastina, ignora processos, é bagunçada.

É uma característica de personalidade que todos devemos trabalhar, encontrando hábitos e processos que compensem uma eventual pontuação baixa nesse fator. Em investimentos, isso pode significar deixar de lado uma estratégia que necessite gerenciamento diário, em horários específicos, com ações detalhadas, para adotar uma estratégia mais fácil de seguir, que aceite atitudes com prazos menos definidos — e vice-versa.

Um sistema de investimento com análise gráfica diária, vários indicadores, necessidade de atenção constante e setups muito específicos não é para todos. Podemos dizer que um sistema assim é mais adequado a quem está na parte superior do espectro; considerando que a maioria das pessoas está num score intermediário e tem outras atividades e preocupações diárias, podemos procurar estratégias que demandem menos detalhes e restrições, adequando a um nível que nos deixa confortáveis, tendo passos confortáveis de seguir e bons retornos.

Por outro lado, diversas abas do Chrome não lidas, dinheiro parado há semanas na corretora, frustração com excesso de informações e desistência, investindo na primeira coisa que o gerente do banco fala, são sinais de uma pontuação baixa, o que merece muita atenção — afinal, essa parte da personalidade é correlacionada a sucesso em geral; quem não nasceu com ela a seu favor deve encontrar qualquer meio possível para mitigar os danos.

Existem diversas estratégias para isso: criar hábitos, usar aplicativos de agenda e lembretes, pedir o apoio e ajuda de familiares e amigos. Em investimentos, a maneira de obter bons retornos sem depender de disciplina é encontrar estratégias de longo prazo e que demandem o mínimo de procedimentos possível. Hoje já temos também diversos aplicativos que facilitam aportar e retirar dinheiro, assim como acompanhar os resultados.

(Autojabá — apesar de eu ter um nível bom de Conscienciosidade, não tenho tanto tempo para ficar investindo. Por isso criei um curso ensinando como investir bem usando apenas alguns minutos por mês, baseado na experiência de grandes investidores e aplicado ao mercado brasileiro)

Outro fator importantíssimo é a Neuroticidade. Essa é a sensibilidade a eventos e emoções negativos e pode simplesmente destruir as finanças de alguém. É um fato consolidado em Psicologia que seres humanos são mais sensíveis a perdas do que a ganhos. Então mesmo uma pontuação intermediária nesse fator já pode deixar qualquer um vulnerável a decisões irracionais após perdas financeiras — o que é confirmado por diversos estudos que comprovam que a maioria dos investidores perde dinheiro no mercado.

Isso significa que, quanto mais sensível a essas perdas você for, mais vai ter que encontrar estratégias mais conservadoras — ou, se conseguir, estratégias que incorporam as oscilações naturais do mercado em seu design, comprando ativos desvalorizados para obter melhores rendimentos. Ainda assim, comprar um ativo que está perdendo valor é diferente quando se trata de um ETF da bolsa americana, um fundo imobiliário, uma criptomoeda ou uma ação de uma empresa do Eike Batista. Cada um desses ativos tem uma perspectiva diferente de recuperação em caso de queda.

Escolha uma estratégia que faça sentido para você e que tenha lógica. Só assim será possível investir bem e conseguir dormir à noite. No meu caso, que tenho Neuroticismo acima da média, sigo a estratégia do curso acima — além de ser baseada nos métodos de grandes investidores, ela foi testada em dados reais do nosso mercado por mais de 10 anos. Mesmo em momentos de crise, é reconfortante saber que essa estratégia já sobreviveu e prosperou por todas as crises anteriores.

A tendência a Abertura a novas experiências é interessante no campo financeiro. Ela vai direcionar que tipo de investimento vai atrair a pessoa, mais conservador, mais arrojado, ou completamente bizarro — de tesouro direto a startup de cannabis canina, passando por criptomoedas e urânio .

Também vai orientar qual estratégia vai chamar a atenção, se algo extremamente comum como fazer o que o gerente e a página inicial da corretora indicam (ou deixar na poupança), ou, como no caso de alguém com score muito alto como eu, buscar, testar, criar estratégias novas e diferentes de qualquer outra que esteja por aí.

Os dois extremos da escala devem ter o cuidado de escolher estratégias que funcionem — ou seja, que tragam retornos iguais ou maiores que os benchmarks de cada mercado (como CDI, a inflação e o índice Bovespa). Garantindo isso, é apenas uma questão de encontrar ativos e estratégias que agradem, o que melhora a adesão à disciplina de investir (e o que já conecta essa ideia com os dois primeiros fatores de personalidade descritos).

Por último, Extroversão e Agradabilidade dificilmente vão influenciar diretamente o ato de investir, a escolha da estratégia ou dos ativos, o gerenciamento de risco, como os outros 3 fatores acima. Mas ele pode afetar bastante o contexto em que se investe. Uma pessoa sociável pode preferir participar de grupos que discutam investimentos, fóruns, seguir diversos especialistas nas mídias sociais, buscar serviços de um gerente ou consultor, compartilhar ideias com amigos e colegas.

Alguém introvertido (meu caso) provavelmente vai ter mais facilidade em estudar e investir sozinho, priorizando artigos e livros ao invés de grupos e mídia social, talvez até evitando influências de profissionais da área.

Não existe maneira certa ou errada de investir — existem maneiras lucrativas ou não. Dentro disso, você pode escolher estratégias conservadoras ou ultra arrojadas, operar no mercado diversas vezes ao dia ou uma vez por mês, buscar ativos novos ou se manter naqueles que resistiram ao passar do tempo… a questão é que todo investidor de sucesso manteve a disciplina de seguir um método, gerenciar seu risco, buscar informações, durante décadas — e isso se torna muito mais fácil e proveitoso quando não se luta continuamente contra as próprias tendências naturais.

PS: Eu gosto muito de escolher ações diferentes usando fórmulas matemáticas e também gosto muito de testar estratégias que foram comprovadas em ações e aplicá-las em criptomoedas e altcoins, unindo todas as facetas da minha personalidade. Os resultados dessa mistura estão aqui e é o jeito que eu invisto há alguns anos.